O que é backlash?

Algumas ideias sobre a propaganda reacionária e antifeminista

Raissa França
6 min readMay 31, 2018

Backlash [noun]

[in singular] A strong negative reaction by a large number of people, especially to a social or political development.

Backlash é um termo usado para designar atitudes reacionárias contra movimentos culturais e de justiça social, tais como os feministas e antirracistas.

Infelizmente a ideia de que a humanidade caminha em linha reta, evoluindo em direção de uma sociedade mais justa, é uma grande ingenuidade. A história não é linear. Não avançamos sempre. Na verdade, frequentemente regredimos.

As demandas por igualdade tampouco são absorvidas rapidamente. Não se trata apenas de sensibilizar as pessoas em relação à desigualdade, denunciar machismo, racismo ou colonialismo, por exemplo, mas sim de uma real luta pelos espaços de poder.

Isso significa que não basta expor o sofrimento de grupos historicamente oprimidos, nem de provar por A + B que explorar outro ser humano é errado. Para reverter o processo, é preciso que esses grupos realmente tenham os mesmos acessos aos lugares de poder e se vejam representados politicamente — em sentido amplo, em todos os espaços.

Essas questões também não podem ficar estritamente no nível das palavras. A resistência contra os movimentos sociais usa artimanhas para não mostrar a sua verdadeira cara; muitas vezes se apropria e distorce questões fundamentais dos movimentos sociais, para provocar resultados que, na prática, são prejudiciais — reforçando ainda mais as velhas estruturas de poder.

Os exemplos são inúmeros. Cito dois: pessoas brancas falando em racismo reverso quando são criticadas por seus privilégios, afinal “somos todos iguais”, e grupos de alta classe criticando as cotas sociais, como se estas fossem um atestado de incapacidade.

Susan Faludi: jornalista norteamericana, feminista e ganhadora de vários prêmios em sua área, incluindo o Pulitzer.

Não quero, porém, falar do backlash em todos os âmbitos, mas sim em relação à igualdade de gênero. Desde já, reitero que a minha visão não pretende ser universalizante, nem se colocar como única perspectiva do feminismo. Relembro que eu sou uma mulher cis, branca, heterossexual e de classe média, e que a minha visão de mundo é condicionada por esses fatores.

Além de ser um termo usado pelos feminismos, Backlash também é o nome do livro da Susan Faludi.

O livro causou um rebuliço quando foi lançado, justamente por expor como certas instituições recebem (mal) os feminismos e a luta por igualdade de gênero. É muito certeiro, muito amplo e muito bem embasado. Mostra, por exemplo, como a mídia reproduz como uma nova tendência social a volta de coisas que, em suas verdadeiras caras, nada mais seriam do que retrocessos, dando ares de novidade a um discurso conservador — e retrógrado.

Backlash perpassa por tantos temas diferentes que é difícil resenhá-lo de uma só vez sem ser muito superficial. Para não entrar em uma missão impossível, minha proposta é apenas comentar algumas partes, em um texto mais genérico. A ideia é dar exemplos de como essa guerra discursiva contra as mulheres acontece hoje em dia.

A autora expõe as estratégias do backlash de forma detalhada. A reação antifeminista recupera posicionamentos conservadores como se fossem algo “para o nosso próprio bem”, mas que, na prática, implicam em retrocesso na igualdade de gênero.

“Fique na cozinha, é para o seu próprio bem e cura todos os seus problemas!”

Sem a pretensão de esgotar o rol de estratégias baixas do backlash, comento quatro delas a seguir.

Gloria Steinem e Dorothy Pitman Hughes (1971).

1 Uma das pedras de toque do contra-ataque é uma visão estereotipada, maniqueísta e falsa dos feminismos e das mulheres que o representam. Não preciso reproduzi-lo: vocês já sabem que ele se parece mais ou menos com uma versão da bruxa do mar. O objetivo é impedir que as mulheres se identifiquem com o estereótipo da feminista, que parece concentrar tudo o que poderia ser ruim no gênero feminino.

“Não odeio homens, não sou amarga, me depilo… ora, não sou uma feminista como as outras.”

Este estereótipo não só sustenta visões preconceituosas e simplórias, como ignora o que todas nós já sabemos: nós, feministas, somos tão diversas quanto as mulheres que existem no mundo.

2 Outra estratégia muito utilizada é inverter as causas. Tratar de problemas que envolvem a vida de várias mulheres não como se resultassem de uma estrutura patriarcal e machista, mas sim dos próprios movimentos feministas.

“Estou aqui por culpa do feminismo!”

Um exemplo é exagerar o fato de que as mulheres que têm trabalhos remunerados fora de casa estão absurdamente sobrecarregadas e infelizes, como se a culpa das múltiplas jornadas fosse do feminismo, não da falta de colaboração e resistência dos homens em dividir igualmente tarefas domésticas.

3 Quando inverter as causas não basta, a artimanha é criar mitos pseudocientíficos, com o objetivo de deixar inseguras as mulheres que pretendem a independência.

“Ter tanto poder me dá uma tristeza…”

Um exemplo é a associação do fato de ser bem sucedida à infelicidade, como se as “carreiristas” fossem todas solteiras de meia idade, sem filhos, amargas e extremamente deprimidas. O cúmulo é incluir dados estatísticos maquiados, que associam “solteirice” e “infertilidade” a posições de chefia.

Curiosamente, o sucesso no trabalho só é colocado como prejudicial quando associado a nós mulheres…

Além de pautados em pesquisas que muitas vezes não têm o mínimo de rigor metodológico, os mitos ignoram a pluralidade de mulheres que não são heterossexuais, não desejam se casar, nem ter filhos. Não queremos todas as mesmas coisas!

4 Finalmente, um artifício muito prejudicial é tratar os feminismos como se fossem movimentos que surgiram muito recentemente, com começo, meio e fim. Falar que a luta pela igualdade de gênero tem suas origens na década de 1960 e 1970 é um erro histórico, que invisibiliza toda a história política das mulheres, como se a posição de subalterna alguma vez tivesse sido pacífica e unânime.

Sufragistas.

A verdade é que nós mulheres nunca aceitamos a submissão de forma passiva: sempre houve luta, mas esta foi apagada, como um discurso dissonante e “perdedor”.

Entender que a luta por igualdade de gênero começou há menos de um século reforça a ideia de História linear, que eu comentei no começo deste texto. Dá a falsa impressão de que estamos em um movimento evolutivo irreversível e que, de aqui em diante, nós mulheres só ganharemos mais e mais direitos, até sermos plenamente iguais — se já não formos.

Na mesma linha, está a ideia de que já superamos a situação de desigualdade e que, hoje em dia, não temos nada mais a conquistar — o que não é verdade, pois as mulheres ainda não têm as mesmas oportunidades, nem ocupam posições de poder de forma paritária.

Essa ideia de que estamos sempre evoluindo ou que já conquistamos direitos de forma estável acaba por nos desarmar diante dos retrocessos. Por isso, é importante que estejamos atentas.

Nem sempre é simples identificar discursos antifeministas. É preciso tomar cuidado com o “fogo amigo” e conseguir identificar quais discursos realmente promovem a igualdade de gênero e o bem estar efetivo e duradouro das mulheres, e quais são os cavalos de Troia. Quando o objetivo final é reforçar a manutenção dos papéis “tradicionais” das mulheres, tais como eles estão— a volta ao lar e a submissão, por exemplo –, a chance de ser um discurso moralista e antifeminista é alta.

Por isso, saibam quem são seus verdadeiros inimigos e conheçam a história de luta política das mulheres. Isto sim é para o seu próprio bem.

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